segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Nada mais.

E de repente, o Amor é esta ferida aberta.
Suja.
O casaco amarrotado no chão do quarto,
despedindo-se da luz
como como um lobo que uiva o som
do próprio sangue.

À medida do tempo, a música saiu-me dos pés
e as chuvas arrastaram-te as margens.

Nada mais existe.

Nem o teu rio incrédulo,
indigente nas minhas mãos,
nem a raiva
da tua tão escura matéria

domingo, 22 de novembro de 2015

Como nascer um beijo

E as abelhas romperam a noite
fazendo dos teus lábios
uma colmeia vermelha.
De manhã,
todas as flores terão morrido
à mercê dos nossos dentes.


sábado, 14 de novembro de 2015

"Vou quebrar esta mão do lembrar"

O movimento giratório
das luas em baixo da minha janela
deslocam o gesto hábil
com que te afasto a substância.

Tudo é reflexo, agora;
tudo é débil:
o teu rosto pela metade,
os meus olhos desfocados.
Demasiado tecto,
pouco corpo.

Conjugas a boca
como um verbo no futuro
e ignoras o eco que me nasce
como única hipótese de entendimento.

Amanhã,
olhar-me-ei ao espelho
e nada em mim
conseguirà principiar-te.

(título de Luís Quintais)

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Devagar, devagar - como quem morre.

Havia um homem
esquecido por dentro da casa.
Nos olhos,
pesavam-lhe as sìlabas desfocadas;
nas mãos,
a práctica oculta da rotação dos anos.

Era um homem do avesso,
desaprendido da linguagem
de se pregar ao peito e,
por entre a desarmonia dos ossos,
esticava o braço
para medir a distância
do coração à cabeça.

Quando os pássaros mortos
traziam as feridas
e o rumor de sangue nas asas,
descobria a fórmula da extinção dos dias
e apontava,
em absorvente melancolia,
o violento exercício
de ser abismo
na desarmonia das vísceras.


Wild Strawberies - Ingmar Bergman

sábado, 7 de novembro de 2015

Naufrágio

E quando reparas,
começo a gritar a maré,
ignorante das margens
da nossa lírica vertigem.

Ao longe,
o farol lança-me cordas à coluna aberta enquanto tu,
despenhado no obscuro poema,
fazes justiça ao naufrágio
e procuras,
cego,
as nossas raìzes
na violência das ondas salgadas.

O mar incendeia-te as pàlpebras.
O escuro dobra-se para frente
na procura da luz,
e tu,
animal vergado
no silêncio das tuas laboriosas âncoras, percebes
(tarde demais)
que nenhum dos nòs os dois
aprendeu a ser a ser barco.