quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O abandono mais doce

E eis que a vida
se torna um sítio de silêncio;
um sítio calmo,
com as mãos despidas de espanto.

Foi de repente,
como um relâmpago:
um abraço estéril,
um sabor distante,
um cheiro a luz em qualquer lado
e minha boca - tão cheia
de nada para te dizer.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A sentimentalização das pedras

Pergunta:
                 Como morder a pedra
                 até que sangres o peito?

Resposta (possível):
                                    Esquecendo.

                                    
 

A chuva, no céu da minha boca

Lentamente
uma vaga metàlica
arrefece a noite,
as pàginas cheias
- plenas -
de esquecimento.

No céu da minha boca
começa a chover.

Lembro o tràfego
violento
por entre as costelas alargadas,
vão comércio
das tuas emoções,
e concluo:
não sobrevivemos às estações.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Raízes

Começo a crescer raízes nos lugares mais inesperados. Os meus olhos insistem em agarrarem-se ao céu. Quando os fecho, sinto o céu a agarrar-se a mim.
Não é bonito.
Sequer lírico.
É, apenas, uma morte diferente.

Meteorologia

O caos
no acto das nossas bocas
em voo:
movimento terrível,
meteorologia dilatada
de um prenúncio que se desloca
para o interior da tempestade.

O rio muda de cheiro,

as árvores movem-se para dentro
e o meu vento, 
continua
violento,
denso
afeiçoado às folhas que te caem.



Ted Chin

domingo, 20 de dezembro de 2015

A noite mais longa

O silêncio é
afinal,
um desígnio simples:
um travo amargo
a comoções sem propósito,
uma espera lenta
por algo horrível
que me encha a boca de pólvora.

Nas mãos,
desponta uma lucidez sem espanto,
sem espuma,
ou redenção possível.

Este é o tempo de sujeições:
escorrego sob a lâmina
e apanho
- como posso -
todos os pedaços de mim.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Nada mais.

E de repente, o Amor é esta ferida aberta.
Suja.
O casaco amarrotado no chão do quarto,
despedindo-se da luz
como como um lobo que uiva o som
do próprio sangue.

À medida do tempo, a música saiu-me dos pés
e as chuvas arrastaram-te as margens.

Nada mais existe.

Nem o teu rio incrédulo,
indigente nas minhas mãos,
nem a raiva
da tua tão escura matéria

domingo, 22 de novembro de 2015

Como nascer um beijo

E as abelhas romperam a noite
fazendo dos teus lábios
uma colmeia vermelha.
De manhã,
todas as flores terão morrido
à mercê dos nossos dentes.


sábado, 14 de novembro de 2015

"Vou quebrar esta mão do lembrar"

O movimento giratório
das luas em baixo da minha janela
deslocam o gesto hábil
com que te afasto a substância.

Tudo é reflexo, agora;
tudo é débil:
o teu rosto pela metade,
os meus olhos desfocados.
Demasiado tecto,
pouco corpo.

Conjugas a boca
como um verbo no futuro
e ignoras o eco que me nasce
como única hipótese de entendimento.

Amanhã,
olhar-me-ei ao espelho
e nada em mim
conseguirà principiar-te.

(título de Luís Quintais)

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Devagar, devagar - como quem morre.

Havia um homem
esquecido por dentro da casa.
Nos olhos,
pesavam-lhe as sìlabas desfocadas;
nas mãos,
a práctica oculta da rotação dos anos.

Era um homem do avesso,
desaprendido da linguagem
de se pregar ao peito e,
por entre a desarmonia dos ossos,
esticava o braço
para medir a distância
do coração à cabeça.

Quando os pássaros mortos
traziam as feridas
e o rumor de sangue nas asas,
descobria a fórmula da extinção dos dias
e apontava,
em absorvente melancolia,
o violento exercício
de ser abismo
na desarmonia das vísceras.


Wild Strawberies - Ingmar Bergman

sábado, 7 de novembro de 2015

Naufrágio

E quando reparas,
começo a gritar a maré,
ignorante das margens
da nossa lírica vertigem.

Ao longe,
o farol lança-me cordas à coluna aberta enquanto tu,
despenhado no obscuro poema,
fazes justiça ao naufrágio
e procuras,
cego,
as nossas raìzes
na violência das ondas salgadas.

O mar incendeia-te as pàlpebras.
O escuro dobra-se para frente
na procura da luz,
e tu,
animal vergado
no silêncio das tuas laboriosas âncoras, percebes
(tarde demais)
que nenhum dos nòs os dois
aprendeu a ser a ser barco.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Realização

O súbito abismo que é
olhar-te
e perceber
que amo a tristeza escura
onde deitas a cabeça
(dramaticamente).

(Larry Clark)

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Apontamentos

Apontamento (ou salvação):
                         pensar-te à exaustão.
                         transformar a tua espessura em intimidade olvidada.

sábado, 19 de setembro de 2015

Ingenuidade

Apontamento:
                       Escrever (nos)
                       na procura de um sentido, ou
                       talvez
                       uma salvação.

Um pálido princípio.

(profundamente pálida
esta força com que fecho a minha boca à tua).

É de manhã nesta casa de sempre.
Os brancos recortam-me
o monólogo nocturno do regresso, e eu
muito quieta,
espero a súbita metamorfose dos animais
que me guardam a cama.

Lá fora,
o mar grita e eu
descubro - em silêncio -
os bolsos cheios de cansaço.

Pesa-me, agarrada aos ossos
como uma nova carne,
a sanguínea arte de te adivinhar o peito:
nenhum homem deveria carregar
tantos abismos.

Incitação à fuga

Partir.

Fugir à noite que aprendeu a
arder-me junto aos olhos.
Estou sempre de partida - penso;
em perpétuo abandono
de tudo o que me habita.

Num plano recuado da existência
ergo as mãos mortas de raízes:
nada me pertence,
nada ecoa.

Aprendo as várias sombras
dos meus espaços
sem nunca lhes dar nomes
(as palavras carregam segredos
capazes de escavar abismos).

Partir.

Desprender-me
das cortinas dos teus dedos
e encontrar um lugar mais longe
que esta distância de morte no coração.

Ousar chegar,
e arriscar
o não regresso.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

O beijo

E é assim,
a boca na boca,
a boca na língua,
a língua na boca;
o beijo do avesso a arrancar a vontade
e os dedos a crescerem
na boca,
na boca da boca,
a boca
tão boca,
tão
-
boca
-
tão,
corpo deitado à procura da boca,
a tua boca
na minha boca
à procura da (minha) boca
tão dentro da tua boca,
tudo à mistura
(como deve ser)
a boca na boca
a boca da boca
no caminho
(simples)
da língua à boca
tão fundo da boca
quando,
por dentro
da (tua) boca
me arrancas
a boca
me comes a boca
e encontras
expectavelmente expectante
a tua
boca.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Uma espécie de fim

Em silêncio,
descobri
a gota sombria
na boca que me devorava
as mãos.

Descobri a seiva lenta;
o vazio a fazer-se por dentro
da noite inclinada,
e o tempo
a crescer a vontade
de calar os dedos.

Páro, -
dormente
e do avesso,
encosto o ouvido
ao doloroso mundo:
                                - nada mais resta
                                  (nem sequer a saudade).

quarta-feira, 29 de julho de 2015

O brilho dos azulejos

Arriscar o peito (in) completo
na tua boca de guardar segredos
e recordar o brilho dos azulejos
que lançaram raízes nos meus olhos.

Esperar,
__________suspensa _____________
do outro lado da tua própria distância 
por um novo alargar de alma.


segunda-feira, 27 de julho de 2015

Retrato

A frescura exacta da tua língua
no vértice do dia;
a minha nudez, 
                       imagem trémula
                       quase delírio,
a tocar as tuas pálpebras
                       feitas universo.

Tudo o mais:
ruído.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Super-Realidade

O dia deitava-se sob a ponte
que te  nasceu das mãos
e a tua boca desenhava os pássaros
que vinham fazer ninho
no espaço mais quente
por entre as minhas costelas.

Éramos jovens
criávamos o mundo com a idade que mais nos convinha.
Éramos mais: rei e rainha,
sem segredos ou futuros;
carne e luz,
bombas atómicas,
vértice dos tumultos da Humanidade,
vertigem
brilho
dois rumores à deriva no crepúsculo
e na poesia rachada dos candeeiros de rua.

Eu estendia-te os braços,
alicerces dançantes
que subias
para sentires o cheiro das nuvens;
tu cravavas-me os dentes nos ombros,
queimavas-me o rastilho da língua
e comias todas as minhas palavras
num gemido.

Do fundo do teu sorriso, a voz,
prenhe de uma super-realidade,
enquanto o mundo era tudo o que acontecia
por dentro dos vidros,
guardados fora do silêncio.



"And we kissed, as though nothing could fall"





Espero. Sem nada esperar.

é preciso a falta de fé. 
a total ausência de ilusões. 
é preciso construir pontes de cio 
por entre o vazio das avenidas:  
só assim faremos sentido; 
só assim surgiremos, 
feitos lobos, 
ao cheiro das nossas carnes 
e ao melancólico modo de insinuarmos a eternidade 
por dentro dos olhos.

tu virás; 
virás porque não te espero. 
porque não mais te quero. 

e, quando vieres, 
beijar-te-ei (como um vício),
para sempre fiel a esta nocão de sofrimento.



Espero (te), 
- sem nada esperar -
deitada sob o meu próprio sol.

terça-feira, 21 de julho de 2015

A arte de te ser por dentro

A nudez dos meus pés abraçados aos teus
quando acordamos ao som das nossas costelas
a alargarem-se para (um)a eternidade.  

Sinto-me capaz de caminhar na tua boca,
apenas para aperfeiçoar a arte de te ser por dentro.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

por (entre) linhas

A constante
                    (eterna)
do teu amor
sobe-me as pernas
como um cão abandonado.

Suplicas (sem pensar):
                                  devora-me.
                                  derruba-me.
                                                    a sombra 
                                                                         - tão,
                                                                          (e sempre¨)
                                                                          agarrada, ao desenho desse teu corpo feito tigre
Morres os olhos
e agarras-me a carne:
é esta coisa canibal entre nós
que nos constrói os dias.
Esta coisa tão vermelha,
tão quente e
                      agora
                                tão
                                   ausente.
                                                Para sempre? - perguntas.
                                                Desde sempre. - respondo.

 por (entre) linhas
o meu peito  é o deserto
onde a tua flor se cansou de morrer.
                                                                                   
                                                             





A tua língua como morada

Guarda, na tua boca,
o segredo sedento dos meus olhos;
agarra
             - na ponta – 
                                  dos dedos                    
o vício dos meus joelhos entreabertos
e diz o meu nome:
                                 Violento.
                                 Voraz.
                                 Na selvagem repetição do delírio.

Depois pára.

Deixa o mundo apagar-se, e
faz da tua língua
a minha eterna morada.

domingo, 31 de maio de 2015

Os ninhos dos meus sorrisos

Há uma ideia à minha espera do lado de fora desta janela. É uma ideia simples, a imitar o teu corpo na violência selvagem desse vício de me amares.
Despe-te.
Desfaz-te dos ninhos dos meus sorrisos no teu ombro:
                                                                                      o passado é coisa de se ficar nos pés
                                                                                      e os meus, estão já descalços de ti.

Os dias são todos de morrer.

A cegueira abandonou-me
e eu não sei ver de olhos abertos.




Essa tua doce forma de te abrires em flor

Há o quarto.
O teu quarto.
A tua cama.
A luz que nos dói os corpos exaustos
de sentirem a vida na carne dos outros:
as mãos nuas,
as costas enquanto areia,
e as tuas coxas:
__________ rios violentos
                         que suplicam pelos meus dentes,
                         e a eternidade nos teus braços
                         a pedir forma.

Há o quarto.
O teu quarto.
A tua cama.
Essa tua doce forma
de te abrires em flor
ao desejo da minha boca.

De novo,
a febre:
______ a tua boca de veludo, eternamente aberta
                                                          (ao meu nome)
             e o amor,
             puro como o ar,
             como o céu dos teus olhos.

Estás aqui comigo?
- perguntas -
                      o rio revolto,
                      o fogo a crescer,
                      a violência invisível do mundo que começa
                      quando nos esquecemos de ler nas entrelinhas.

Sim - respondo.
                         ____________________________
                                                                                                       e a vida, acontece-me,

                                                                                                       longe

                                                                                                                  das
                                                                                                                         tuas
                                                                                                                                 coxas,

                                                                                                     do azul dos teus olhos.

                                                                                                     No quarto
                                                                                                     (o teu quarto)
                                                                                                     perco a sofreguidão
                                                                                                     das tuas águas.






           
       




sábado, 23 de maio de 2015

Pesadelo

A casa a encher o vazio dos ossos,
- o pesadelo:
os pássaros roubaram todo o ar respirável,
estou deitada
a terra molhada sobre o peito,
um vento vertiginoso
que teima em gemer-me nos lábios
como um poema pronto a parir.

Sempre este sangue,
esta carne impura a ganhar raíz
na desordem fluída do desejo:
- a saliva, o sémen, o suor,
a faca a abrir-me do avesso
ao que me estrangula
dos pulmões à língua apagada.

Tudo em mim, agora,
enterrado;
devolvido à terra num espasmo.

E o silêncio.

Os pássaros mudos
a espalharem o caos
e a noção exacta da argila por entre os dentes.

Engulo a ferrugem
e acordo.
É outro dia.
Outra eternidade.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Vem, meu amor

Vem, meu amor;
vem colher-me a boca madura
de antigas ausências e devora-me,
devora-me o eco do sol
que aprendeste nascer em mim.

O meu corpo continua.

O meu corpo continua.
Como um sonho.
Um reflexo.
Como se os corpos fossem coisas que vivem dentro das janelas,
à espera da Primavera.

Episódio Psicótico

Quantos corpos dormem 
no prolongamento da tua solidão?

A febre.

A febre.

A febre.

Depois mais nada.
Morre o delírio à boca do teu coração.

Dos pecados por baixo da pele

Gosto de me sussurrar na tua boca,
devagar,
como um segredo que se guarda por baixo da pele
o tempo suficiente para se tornar pecado.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Do silêncio das minhas raízes

Abri os olhos.

Alguém trouxera a terra
lavrada com o fogo e sangue das mãos abertas 
ao desespero de quererem cobrir o lado de dentro da carne. 


Na boca,
um eterno sabor de melancolia;
no céu,
o imprevisto silêncio das minhas raízes.


The rehearsal place, Sally Mann, 1989




quarta-feira, 18 de março de 2015

Solipsismos #1

Continuo a vomitar-te, numa agonia viral - simples e sem vida.

Como morrer um nome

Hoje, remexi-te o caos por entre os escombros da manhã e vi-te, cega, no meio da vindimada luz dos teus dias. Sentaste-te na varanda a olhar as crisálidas, como se a água fosse a matéria das tuas mãos.
Inerte. 
Morta além de ti.

Ao fundo, chamei-te.
Confesso: não sei se te queria invocar ou apenas saber; saber que o teu nome ainda tem forma dentro dos meus lábios. Ainda me preenche os espaços invernosos do corpo e antecipa a Primavera por dentro dos ossos.
Chamei-te.
E a minha boca encheu-se de silêncio; como se a minha saliva tivesse perdido o sentido das tuas letras. A sala cresceu de sossego e tu, expatriada de qualquer identidade, continuaste: cega, a olhar as crisálidas secas e a fingir que a água é coisa que coisa que faz com os olhos.

Na minha boca, nada mais restou.
Nem sequer o teu cadáver.