Abro os olhos.
A terra arde. Tantos sussurros. Tantas
palavras inexactas.
Nenhuma chuva.
Estou aqui para morrer, penso.
Para me lavar dos pecados com a língua. A
mesma língua com que lambia a tinta das asas das borboletas.
Era uma criança nesse tempo.
Uma criança deitada na erva, ao sol.
Rasgava-lhes as asas e esperava por um grito. Um grito misterioso. Monstruoso. Porque
a dor das borboletas deveria ser algo apocalíptico. O tipo de som capaz de
rasgar abismos, pensava.
Capaz de destruir o sol.
Mas,
as minhas borboletas nunca gritavam.
Ficavam assim: seres meios, em pedaços.
Fragmentos.
Coisas partidas que nem tristes eram. Nem
coisas. Nem eram. Ficavam. Apenas. E sujavam-me os dedos.
Com melancolia.
E as crianças não percebem a melancolia.
Percebem a tinta que suja os dedos e a dor que se grita.
Por vezes, quando levava os dedos à língua,
sentia soltar-se, nos cantos mais obscuros da boca, um perfume profundamente
agoniado. Cheio do movimento dos espinhos a rasgarem os caules das rosas. Cheio
de feridas que se abrem para fora. Sem sangue.
Quando esse Verão acabou soube, com toda
certeza, que as borboletas não gritavam. Sequer sangravam.
As borboletas cheiravam.
A rosas.
Cheiravam profundamente. Com dor.
Fotografia por Fátima Abreu Ferreira |
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