É preciso a morte de todas as sombras;
a asfixia dos gemidos tristes.
Enfiar o punho na profunda garganta negra
e arrancar essa lânguida violência.
É preciso cantar;
longamente cantar, como dizia o poeta;
sussurrar as asas de uma ave marítima
como o fio de prumo de uma vida.
Depois,
é preciso o silêncio.
Abrir os punhos, e
deixar escorrer o sangue,
essa coisa feita música vermelha,
feita céu
feita estrelas
feita esperança
(ou Universo).
sábado, 30 de abril de 2016
Dos dias em que os teus lábios eram as linhas que separavam o céu da terra.
Chamar-te-ei,
e o teu nome será igual à distância.
Estarás por dentro do silêncio:
com a língua a guardar-te os restos dos sonhos,
Nas minhas mãos,
apenas a longa memória dos teus dedos
corromperá o vazio que escavaste
e me recordará dos dias
em que os teus lábios
eram as linhas que separavam o céu da terra.
e o teu nome será igual à distância.
Estarás por dentro do silêncio:
com a língua a guardar-te os restos dos sonhos,
Nas minhas mãos,
apenas a longa memória dos teus dedos
corromperá o vazio que escavaste
e me recordará dos dias
em que os teus lábios
eram as linhas que separavam o céu da terra.
quinta-feira, 21 de abril de 2016
Da complexidade dos pontos.
Eu - é nos pontos que tudo se perde Helena.
Helena - Nos pontos?
Eu - Sim. Nos pontos. Ponto a ponto. Ponto por ponto.
Helena - Do que é que estas a falar?
Eu - Do cansaço.
Helena - Do cansaço? Não era dos pontos?
Eu - Claro que é.
Helena - Não te entendo Fátima.
Eu - Ponto final, então.
Helena - Isso é coisa para reticências.
Eu - Sim. Agoras entendes. Três pontos. Vês como é nos pontos que tudo muda?
Helena - Na verdade não, Fátima. Não fazes sentido.
Eu - Porque estás a complicar Helena. Eu explico; não é dificil: pegas num ponto (final) e somas-lhe outro. O fim desaparece Helena. Toda a gente sabe que não há fim em dois pontos finais. Apenas abismos (ou a porta para os parêntesis, o que é a mesma coisa)
E se vier um outro?
Helena - Outro ponto final?
Eu - Sim. Outro ponto final.
Helena - Não sei, Fátima. O que acontece?
Eu - Tudo. Três pontos é o espaco para tudo. Menos para o fim. O fim, adulterou-se. Deixa de existir pelo mero facto de haver algo mais ao lado; ou na frente, ou por cima. E não me faças falar de quando é por dentro Helena.
Helena - Mas... de que raio estas tu a falar, Fátima?
Eu - Do amor.
Helena - Do amor? Mas, não era do cansaço?
Eu - Claro que sim Helena. Junta os pontos.
Helena - Nos pontos?
Eu - Sim. Nos pontos. Ponto a ponto. Ponto por ponto.
Helena - Do que é que estas a falar?
Eu - Do cansaço.
Helena - Do cansaço? Não era dos pontos?
Eu - Claro que é.
Helena - Não te entendo Fátima.
Eu - Ponto final, então.
Helena - Isso é coisa para reticências.
Eu - Sim. Agoras entendes. Três pontos. Vês como é nos pontos que tudo muda?
Helena - Na verdade não, Fátima. Não fazes sentido.
Eu - Porque estás a complicar Helena. Eu explico; não é dificil: pegas num ponto (final) e somas-lhe outro. O fim desaparece Helena. Toda a gente sabe que não há fim em dois pontos finais. Apenas abismos (ou a porta para os parêntesis, o que é a mesma coisa)
E se vier um outro?
Helena - Outro ponto final?
Eu - Sim. Outro ponto final.
Helena - Não sei, Fátima. O que acontece?
Eu - Tudo. Três pontos é o espaco para tudo. Menos para o fim. O fim, adulterou-se. Deixa de existir pelo mero facto de haver algo mais ao lado; ou na frente, ou por cima. E não me faças falar de quando é por dentro Helena.
Helena - Mas... de que raio estas tu a falar, Fátima?
Eu - Do amor.
Helena - Do amor? Mas, não era do cansaço?
Eu - Claro que sim Helena. Junta os pontos.
Fotografia - Fatima Abreu Ferreira, Lisboa, 2016 |
quarta-feira, 6 de abril de 2016
Summertime Blues
Com o tempo, as bocas tornaram-se coisas vagas. Abstractas. Duas línguas sem saberem dançar. E quando ela se sentava em frente à janela, ele punha uma memória de vinil na ponta da agulha.
Calavam-se.
Profundamente.
Mas nenhum ouvia a música.
Lá fora chovia e os beijos molhavam-se até às sarjetas.
Calavam-se.
Profundamente.
Mas nenhum ouvia a música.
Lá fora chovia e os beijos molhavam-se até às sarjetas.
Ingmar Bergman Summer with Monika (1953) |
domingo, 3 de abril de 2016
Lost persons street
Há ruas que nos curvam.
Fazem-nos assim, coisas tortas, a pender para o lado que nos é menos cómodo - aquele onde guardamos a alma como um lençol amarrotado. Sujo. Sem expiação possível.
A minha rua é uma dessas ruas.
E eu pendo para o lado esquerdo onde guardo os olhos e as histórias que gostava de contar se a vida não fosse esta coisa aborrecida de ser apanhada pelos dias.
Vivo no primeiro direito.
Talvez seja por isso.
Nada de cheio acontece no primeiro direito.
É sempre tudo à esquerda. Até as flores.
As flores apenas acontecem do lado esquerdo
Na minha rua mora um louco.
O Jorge.
O Jorge é louco porque é o único que anda com as costas direitas.
Todos os moradores da minha rua se curvam para direita ou para a esquerda, menos ele.
Ele é vertical e isso é uma coisa muito estranha de se ser numa rua destas.
Quando sai de casa sorri e acena e deseja bom dia, e todos nós ficamos a olhar; a vê-lo passar pela padaria para levar os dois pães com manteiga à Dona Clara que mora na rua em frente e faz arranjos de costura logo pela manhã.
Tem muito trabalho a Dona Clara. Estamos em tempo de crise e agora remenda-se em vez de se deitar fora. Mas, quando o louco do Jorge lhe bate à porta com os pães com manteiga a Dona Clara sorri sempre, como se aquela verticalidade toda fosse uma espécie de candeeiro.
Às vezes fico a vê-los da janela, como quem vê atentamente um filme.
Ele abre a porta e ela sorri da mesa de costura. O pé no pedal a dar força ao segredo que junta os trapos e os olhos de quem sabe que é a chorar que se aprende a dançar.
Estou em crer que foram as agulhas da Dona Clara a coser o Jorge tão ao centro.
Um destes dias levo-lhe o meu lado esquerdo. Uma bainha mais subida, umas pinças, o lençol passado a ferro e, quem sabe, começo a andar direito.
Depois virá a loucura e as flores que irão morrer.
Fazem-nos assim, coisas tortas, a pender para o lado que nos é menos cómodo - aquele onde guardamos a alma como um lençol amarrotado. Sujo. Sem expiação possível.
A minha rua é uma dessas ruas.
E eu pendo para o lado esquerdo onde guardo os olhos e as histórias que gostava de contar se a vida não fosse esta coisa aborrecida de ser apanhada pelos dias.
Vivo no primeiro direito.
Talvez seja por isso.
Nada de cheio acontece no primeiro direito.
É sempre tudo à esquerda. Até as flores.
As flores apenas acontecem do lado esquerdo
Na minha rua mora um louco.
O Jorge.
O Jorge é louco porque é o único que anda com as costas direitas.
Todos os moradores da minha rua se curvam para direita ou para a esquerda, menos ele.
Ele é vertical e isso é uma coisa muito estranha de se ser numa rua destas.
Quando sai de casa sorri e acena e deseja bom dia, e todos nós ficamos a olhar; a vê-lo passar pela padaria para levar os dois pães com manteiga à Dona Clara que mora na rua em frente e faz arranjos de costura logo pela manhã.
Tem muito trabalho a Dona Clara. Estamos em tempo de crise e agora remenda-se em vez de se deitar fora. Mas, quando o louco do Jorge lhe bate à porta com os pães com manteiga a Dona Clara sorri sempre, como se aquela verticalidade toda fosse uma espécie de candeeiro.
Às vezes fico a vê-los da janela, como quem vê atentamente um filme.
Ele abre a porta e ela sorri da mesa de costura. O pé no pedal a dar força ao segredo que junta os trapos e os olhos de quem sabe que é a chorar que se aprende a dançar.
Estou em crer que foram as agulhas da Dona Clara a coser o Jorge tão ao centro.
Um destes dias levo-lhe o meu lado esquerdo. Uma bainha mais subida, umas pinças, o lençol passado a ferro e, quem sabe, começo a andar direito.
Depois virá a loucura e as flores que irão morrer.
Elliott Erwitt |
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