E eis que a vida
se torna um sítio de silêncio;
um sítio calmo,
com as mãos despidas de espanto.
Foi de repente,
como um relâmpago:
um abraço estéril,
um sabor distante,
um cheiro a luz em qualquer lado
e minha boca - tão cheia
de nada para te dizer.
Começo a crescer raízes nos lugares mais inesperados. Os meus olhos insistem em agarrarem-se ao céu. Quando os fecho, sinto o céu a agarrar-se a mim.
Não é bonito.
Sequer lírico.
É, apenas, uma morte diferente.
O caos no acto das nossas bocas em voo: movimento terrível, meteorologia dilatada de um prenúncio que se desloca para o interior da tempestade.
O rio muda de cheiro, as árvores movem-se para dentro e o meu vento, continua violento, denso afeiçoado às folhas que te caem.
E de repente, o Amor é esta ferida aberta.
Suja.
O casaco amarrotado no chão do quarto,
despedindo-se da luz
como como um lobo que uiva o som
do próprio sangue.
À medida do tempo, a música saiu-me dos pés
e as chuvas arrastaram-te as margens.
Nada mais existe.
Nem o teu rio incrédulo,
indigente nas minhas mãos,
nem a raiva
da tua tão escura matéria
Havia um homem
esquecido por dentro da casa.
Nos olhos,
pesavam-lhe as sìlabas desfocadas;
nas mãos,
a práctica oculta da rotação dos anos.
Era um homem do avesso,
desaprendido da linguagem
de se pregar ao peito e,
por entre a desarmonia dos ossos,
esticava o braço
para medir a distância
do coração à cabeça.
Quando os pássaros mortos
traziam as feridas
e o rumor de sangue nas asas,
descobria a fórmula da extinção dos dias
e apontava,
em absorvente melancolia,
o violento exercício
de ser abismo
na desarmonia das vísceras.
E quando reparas,
começo a gritar a maré,
ignorante das margens
da nossa lírica vertigem.
Ao longe,
o farol lança-me cordas à coluna aberta enquanto tu,
despenhado no obscuro poema,
fazes justiça ao naufrágio
e procuras,
cego,
as nossas raìzes
na violência das ondas salgadas.
O mar incendeia-te as pàlpebras.
O escuro dobra-se para frente
na procura da luz,
e tu,
animal vergado
no silêncio das tuas laboriosas âncoras, percebes
(tarde demais)
que nenhum dos nòs os dois
aprendeu a ser a ser barco.
(profundamente pálida
esta força com que fecho a minha boca à tua).
É de manhã nesta casa de sempre.
Os brancos recortam-me
o monólogo nocturno do regresso, e eu
muito quieta,
espero a súbita metamorfose dos animais
que me guardam a cama.
Lá fora,
o mar grita e eu
descubro - em silêncio -
os bolsos cheios de cansaço.
Pesa-me, agarrada aos ossos
como uma nova carne,
a sanguínea arte de te adivinhar o peito:
nenhum homem deveria carregar
tantos abismos.
E é assim,
a boca na boca,
a boca na língua,
a língua na boca;
o beijo do avesso a arrancar a vontade
e os dedos a crescerem
na boca,
na boca da boca,
a boca
tão boca,
tão
-
boca
-
tão,
corpo deitado à procura da boca,
a tua boca
na minha boca
à procura da (minha) boca
tão dentro da tua boca,
tudo à mistura
(como deve ser)
a boca na boca
a boca da boca
no caminho
(simples)
da língua à boca
tão fundo da boca
quando,
por dentro
da (tua) boca
me arrancas
a boca
me comes a boca
e encontras
expectavelmente expectante
a tua
boca.
Arriscar o peito (in) completo na tua boca de guardar segredos e recordar o brilho dos azulejos que lançaram raízes nos meus olhos. Esperar, __________suspensa _____________ do outro lado da tua própria distância por um novo alargar de alma.
A frescura exacta da tua língua no vértice do dia; a minha nudez, imagem trémula quase delírio, a tocar as tuas pálpebras feitas universo. Tudo o mais: ruído.
que te nasceu das mãos
e a tua boca desenhava os pássaros
que vinham fazer ninho
no espaço mais quente
por entre as minhas costelas.
Éramos jovens
criávamos o mundo com a idade que mais nos convinha.
Éramos mais: rei e rainha,
sem segredos ou futuros;
carne e luz,
bombas atómicas,
vértice dos tumultos da Humanidade,
vertigem
brilho
dois rumores à deriva no crepúsculo
e na poesia rachada dos candeeiros de rua.
Eu estendia-te os braços,
alicerces dançantes
que subias
para sentires o cheiro das nuvens;
tu cravavas-me os dentes nos ombros,
queimavas-me o rastilho da língua
e comias todas as minhas palavras
num gemido.
Do fundo do teu sorriso, a voz,
prenhe de uma super-realidade,
enquanto o mundo era tudo o que acontecia
por dentro dos vidros,
guardados fora do silêncio.
é preciso a falta de fé. a total ausência de ilusões. é preciso construir pontes de cio por entre o vazio das avenidas: só assim faremos sentido; só assim surgiremos, feitos lobos, ao cheiro das nossas carnes e ao melancólico modo de insinuarmos a eternidade por dentro dos olhos. tu virás; virás porque não te espero. porque não mais te quero. e, quando vieres, beijar-te-ei (como um vício), para sempre fiel a esta nocão de sofrimento. Espero (te), - sem nada esperar - deitada sob o meu próprio sol.
A constante
(eterna)
do teu amor
sobe-me as pernas
como um cão abandonado.
Suplicas (sem pensar): devora-me. derruba-me. a sombra
- tão,
(e sempre¨) agarrada, ao desenho desse teu corpo feito tigre
Morres os olhos
e agarras-me a carne:
é esta coisa canibal entre nós
que nos constrói os dias.
Esta coisa tão vermelha,
tão quente e
agora
tão
ausente.
Para sempre? - perguntas.
Desde sempre. - respondo.
por (entre) linhas
o meu peito é o deserto
onde a tua flor se cansou de morrer.
Há uma ideia à minha espera do lado de fora desta janela. É uma ideia simples, a imitar o teu corpo na violência selvagem desse vício de me amares.
Despe-te.
Desfaz-te dos ninhos dos meus sorrisos no teu ombro:
o passado é coisa de se ficar nos pés
e os meus, estão já descalços de ti.
Há o quarto.
O teu quarto.
A tua cama.
A luz que nos dói os corpos exaustos
de sentirem a vida na carne dos outros:
as mãos nuas,
as costas enquanto areia,
e as tuas coxas:
__________ rios violentos
que suplicam pelos meus dentes,
e a eternidade nos teus braços
a pedir forma.
Há o quarto.
O teu quarto.
A tua cama.
Essa tua doce forma
de te abrires em flor
ao desejo da minha boca.
De novo,
a febre:
______ a tua boca de veludo, eternamente aberta
(ao meu nome)
e o amor,
puro como o ar,
como o céu dos teus olhos.
Estás aqui comigo?
- perguntas -
o rio revolto,
o fogo a crescer,
a violência invisível do mundo que começa
quando nos esquecemos de ler nas entrelinhas.
Sim - respondo.
____________________________
e a vida, acontece-me,
longe
das
tuas
coxas,
do azul dos teus olhos.
No quarto
(o teu quarto)
perco a sofreguidão
das tuas águas.
A casa a encher o vazio dos ossos,
- o pesadelo:
os pássaros roubaram todo o ar respirável,
estou deitada
a terra molhada sobre o peito,
um vento vertiginoso
que teima em gemer-me nos lábios
como um poema pronto a parir.
Sempre este sangue,
esta carne impura a ganhar raíz
na desordem fluída do desejo:
- a saliva, o sémen, o suor,
a faca a abrir-me do avesso
ao que me estrangula
dos pulmões à língua apagada.
Tudo em mim, agora,
enterrado;
devolvido à terra num espasmo.
E o silêncio.
Os pássaros mudos
a espalharem o caos
e a noção exacta da argila por entre os dentes.
Engulo a ferrugem
e acordo.
É outro dia.
Outra eternidade.
Abri os olhos. Alguémtrouxera a terra lavrada com o fogo e sangue das mãos abertas ao desespero de quererem cobrir o lado de dentro da carne. Na boca, um eterno sabor de melancolia; no céu, o imprevisto silêncio das minhas raízes.
Hoje, remexi-te o caos por entre os escombros da manhã e vi-te, cega, no meio da vindimada luz dos teus dias. Sentaste-te na varanda a olhar as crisálidas, como se a água fosse a matéria das tuas mãos.
Inerte.
Morta além de ti.
Ao fundo, chamei-te.
Confesso: não sei se te queria invocar ou apenas saber; saber que o teu nome ainda tem forma dentro dos meus lábios. Ainda me preenche os espaços invernosos do corpo e antecipa a Primavera por dentro dos ossos.
Chamei-te.
E a minha boca encheu-se de silêncio; como se a minha saliva tivesse perdido o sentido das tuas letras. A sala cresceu de sossego e tu, expatriada de qualquer identidade, continuaste: cega, a olhar as crisálidas secas e a fingir que a água é coisa que coisa que faz com os olhos.